Por trás dessa revolução educacional está uma reforma iniciada nos anos 1970 que teve entre seus pontos centrais a qualificação e a valorização da carreira dos professores, explica Minna Mäkihonko, conselheira-sênior para educação docente e para educação inclusiva da Universidade da Finlândia.
Mäkihonko esteve neste mês em São Paulo para uma palestra na Fundação FHC (do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso) e em busca de parcerias para estabelecer projetos com o modelo educacional finlandês no Brasil em escolas e universidades brasileiras
Ela detalhou os cinco princípios-chave que passaram a guiar a formação de professores finlandeses, na busca por uma educação "que seja baseada em pesquisas e evidências coletadas em todo o mundo" e que prepare os docentes para "serem modelos de comportamento para toda a sociedade".
A própria Mäkihonko ressalta que nenhum modelo educacional pode ser copiado de um país para outro - sobretudo em países tão díspares entre si quanto a Finlândia, de 5,5 milhões de habitantes, e o Brasil, com 209 milhões de habitantes -, mas a experiência finlandesa serve para nortear mudanças.
"O que aprendemos é que apenas aumentar a certificação dos professores não necessariamente impactava a qualidade do aprendizado dos alunos", explicou ela. "Tivemos de olhar para a qualidade dessa educação, para o que oferecemos aos professores."
Para Mäkihonko, o ponto principal do treinamento de professores passa por "preparar os futuros professores para um mundo em mutação".
"Não sabemos para que tipo de mundo estamos treinando os professores. Por isso, é importante treiná-los para não apenas dar informações, mas ter a capacidade de encontrar, selecionar e analisar conhecimento."
A Finlândia é conhecida por ter adaptado suas salas de aula para o chamado "ensino baseado em projetos", em que os alunos - em vez de terem o conhecimento dividido por áreas estáticas, como matemática, línguas e geografia - aprendem com base em grandes projetos multidisciplinares, com grande autonomia.
Para Mäkihonko, isso exige professores que aprendam, em sua formação, a serem flexíveis e capazes de implementar "atividades inteligentes em situações novas".
Isso reflete uma questão importante da reforma educacional finlandesa: colocar os alunos como agentes ativos de seu próprio aprendizado.
Um relatório de 2010 da OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico) sobre a educação finlandesa aponta que "as salas de aula são centradas no aluno".
Colocar em prática esse ensino centrado no aluno não é fácil e exige professores que entendam o processo de aprendizado. Por isso, nas universidades de Educação finlandesas, futuros docentes aprendem "tanto métodos baseados em pesquisas quanto pacotes de ferramentas que possam ser usadas quando eles forem ensinar", explicou Mäkihonko.
E também aprendem a usá-las com autonomia. "No treinamento, podemos dizer a um professor qual livro ou método pode ajudar uma criança com dificuldade em matemática. Mas é ele, com seu expertise e profissionalismo, que vai decidir o que usar. Os professores é que terão de saber quais métodos serão úteis para cada tipo de situação."
Mäkihonko explicou que é exigido dos professores finlandeses "um profundo entendimento do conteúdo" que ensinam e da pedagogia adequada para cada faixa etária, de forma a "apoiar os alunos (na busca) por diferentes pontos de vista e para construir conexões entre (diferentes) conceitos".
Desde a reforma educacional dos anos 1970, a formação dos professores passou a ser centralizada em universidades (todas públicas), em cursos de cinco anos, com alto nível de exigência sobre os futuros professores. Todos são obrigados a fazer uma tese de mestrado para concluir sua formação. Nesse processo, disse Mäkihonko, "eles aprendem a ler artigos científicos e a estar a par das descobertas mais recentes em aprendizado, para se desenvolverem profissionalmente".
Segundo o relatório da OCDE, outros fatores que parecem estar por trás do sucesso educacional da Finlândia são um "consenso político para educar todas as crianças juntas, em um sistema escolar conjunto; a expectativa de que todas as crianças conseguem atingir altos níveis (de aprendizado), a despeito de seu histórico familiar ou circunstâncias regionais; uma busca obstinada pela excelência de professores; responsabilidade compartilhada da escola pelos alunos com dificuldades; uso dos modestos recursos financeiros com foco na sala de aula e clima de confiança entre educadores e a comunidade".
As exigências sobre os professores são altas, mas eles recebem bastante apoio - educacional e comunitário - e "não estão sozinhos" no desempenho de seu papel, afirmou a especialista finlandesa.
As universidades, disse ela, mantêm uma conexão próxima com os professores em sala de aula, para ajudá-los a praticar o que aprenderam durante seu treinamento e a garantir uma mentoria dos que estão estagiando ou aplicando novas metodologias.
"É importante escutar os professores para entender suas necessidades e desafios. Por exemplo, quando eles começam a colocar em prática o ensino baseado em projetos, passam a ter dúvidas e precisam de ajuda, de mentoria", disse.
"Esses professores-mentores têm uma dupla responsabilidade - de ensinar e ao mesmo tempo de acompanhar os professores. Estamos buscando parcerias para implementar isso também no Brasil", afirmou Mäkihonko à BBC News Brasil.
Segundo Mäkihonko, a carreira de professor na Finlândia equivale, em prestígio, às de médico e advogado.
"São profissionais respeitados pela comunidade. Por isso é importante cuidar das questões éticas quando estamos treinando os professores. Eles aprendem não apenas técnicas (de ensino) mas também a apoiar o desenvolvimento pessoal do estudante e a serem modelos de comportamento. Eles têm muita responsabilidade: a de moldar diamantes brutos. E são cobrados pela sociedade."
A educadora Beatriz Cardoso, filha de FHC e que participou do debate com Minna Mäkihonko, opinou que a Finlândia é o país com quem o Brasil mais tem a aprender em educação, por ter criado um modelo baseado não na competitividade individual, mas sim na igualdade de acesso. Mas também destacou que o Brasil tem desafios ainda maiores que a Finlândia teve nos anos 1970, por sua dimensão continental, problemas históricos de iletramento e analfabetismo e dificuldades na capacitação de qualidade aos professores.
Mäkihonko destacou que a Finlândia também "teve muitos desafios e cometeu erros" durante sua reforma educacional e sugeriu que profissionais brasileiros da educação que queiram promover mudanças busquem formar um ambiente propício, engajem um grupo de professores e apenas "comecem com algo menor e busquem formas de multiplicá-lo".
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